sexta-feira, 13 de maio de 2011

Os radioamadores que marcaram o meu percurso

CAPÍTULO II
Os Radioamadores que jamais esquecerei

Começarei esta minha recordação por transcrever as palavras sábias de CT1SE (J. M. Correia Vitorino), em Março de 1967:
«O Radioamadorismo é poema humano, é difusão da fraternidade mundial, é o desejo de entreajuda, é exemplo vivo de progresso tecnológico espontâneo, alegre e fecundo. É ainda conquista pacífica de triunfos e dádiva de riquezas; é germe de paz e de cultura; é também - e mais do que tudo - um desejo comprovado de servir e uma capacidade ímpar para vencer com eficiência na emergência e na catástrofe. Sem horário, sem salário, sem fadiga, sem esperar outra coisa que não seja o justo reconhecimento de que se dá muito por nada e de que se está sempre pronto a dizer presente.
Cultivemos o amadorismo na rádio e em tudo o mais - no trabalho, no estudo, nos sacrifícios ... porque  amadorismo vem de amor e foi assim que, no campo da ciência, Edison, Pasteur, Curie e tantos outros, com amor pelo estudo, também sem horas, sem soldo e sem descanso, lutaram  por um mundo melhor.»(*)

CT1PK  - João Paulo Fragoso de Almeida Carvalho
Este ilustre radioamador (iniciou a sua actividade, em 1936) foi, no meu entender e de muitos com quem privei, o maior e o mais activo no mundo do Dx. Foi, durante muitos anos, o primeiro mundial em fonia e era detentor do «Top Honoris - 20». O número de diplomas, taças, medalhas e placas, em prata e ouro, em número, no seu conjunto, por nós desconhecido, mas, na última visita, que lhe fiz verifiquei que no «shack» já não havia lugar para mais distinções.
Muito embora tivesse residência na «5 de Outubro», em Lisboa, era no Cartaxo, onde mais se disponibilizava para a actividade radioamadorística, pois, como médico, o tempo que sobrava era relativamente escasso.
Nos últimos anos, convidava os radioamadores a deliciarem-se nas «termas do Cartaxo», convite a que poucos faltavam, e que ele fazia questão de a todos receber com alegria e agradecimento.
Aquando do Congresso Ibérico realizado na Corunha, era eu, nessa altura, presidente da Rede dos Emissores Portugueses, não hesitei em oferecer àquele ilustre radioamador o lugar de honra que os colegas espanhóis tinham reservado para mim. O CT1PK aceitou e agradeceu o meu convite.
Passados mais de trinta anos continuo na certeza que não poderia ser outra a minha atitude. Estava em jogo a dignidade do radioamadorismo nacional e nem sempre alguns colegas respeitavam esse princípio.

CT1AH - Eduardo Serpa Ferreira
Este nosso colega entrou para o radioamadorismo em 1928. Todos os dias era escutado e tinha de todos nós o carinho que o seu percurso impunha. Era membro do «Hold Times Club», desde 1952, e, concurso onde entrasse, obtinha sempre uma boa classificação. A demonstrá-lo estão: o 1.º lugar no Concurso da REF (1935), o 2.º lugar no Mundial P.Z.K., em telegrafia; 1.º lugar no Nacional de Fonia (1950). A Roda Nacionalista de Espanha, atribuí-lhe o Diploma «Arriba Espanha»; WAC (1932); DPCI Mérito Telegrafia e DPCI Fonia.
Um dia, já na década de 60, fui, com o meu pai, visitar um seu ex-«impedido», que com ele fez a 1.ª Guerra Mundial, em França, e residia em Valdigem, com passagem obrigatória pelo Peso da Régua. Uma vez aqui, não podia deixar de visitar o CT1AH, com quem tantas e tantas vezes tinha falado em 80 metros. Fui recebido com pompa e circunstância e depois de visitar o «shack», o nosso anfitrião, levou-me até à varanda da casa e com ar solene disse: amigo MV vou mostrar-lhe a minha antena direccional que utilizo dos 10 aos 80 metros, rivalizando com a sua que só faz 10, 15 e 20 metros. Acto contínuo, chamou: Ó Joaquim (era assim que se chamava o empregado da quinta) roda a antena para Sul. Acto contínuo surge um homem de meia idade que, pegando numa ponta de sisal, correu para Este, levando consigo o extremo da antena, por um arame que a cerca de aproximadamente 10 metros de altura, ía até ao limite do logradouro. O Eng.º Serpa Ferreira, olhou para mim com um sorriso aberto, como que a perguntar-me: então! Que tal!...
Depedi-me daquele respeitável radioamador com um «até qualquer dia», mal pensando que a próxima vez que iria à Régua seria em 1966, para o acompanhar à sua última morada. Tinha 84 anos.

CT1ZY - Manuel Gonçalves Lisboa e CT1GN - Artur Rasoilo Sacramento
A razão de os termos juntado, nesta recordação, é porque ambos tinham algo de comum. Ambos eram naturais de Ílhavo, ambos serviram na Marinha, o primeiro na Marinha de Guerra, especialista em submarinos; o segundo na Marinha Mercante, onde desempenhou as funções de Comissário; ambos tinham cegado, o primeiro em plena actividade, o segundo, alguns antes antes de falecer.
O CT1ZY, era uma presença constante em todas as bandas. Sempre que qualquer radioamador do País chamava geral, podia ter a certeza que haveria de ter sempre quem correspondesse à sua chamada. Respeitado um compasso de espera lá estava o Manuel Lisboa a responder e dar controle, com a sua voz inconfundível.
O que para nós era surpreendente é que era ele próprio que construia os seus equipamentos, no que era auxiliado pela esposa.
Um dia, numa das muitas idas a Coimbra por razões profissionais, encontrei-me, como era habitual, com o colega CT1MX que fez questão de me convidar para visitarmos o CT1ZY, na Rua da Ilha da Madeira, onde tinha a sua residência. Antes de entrar o Filipino disse-me: Nelson, você vai entrar e não diz quem é, cumprimenta-o e vai aguardar a ver se ele o reconhece, apenas pela voz.
Assim fiz. A esposa abriu a porta e eu entrei. Acto contínuo dei as boas-tardes ao CT1ZY que de imediato, sem qualquer tipo de hesitação, disse: Olha o meu grande amigo MV.
Olhei o «Zé Ygrego» que debruçado sobre a estação emissora, tendo à sua frente o microfone, nos envolvia com um sorriso de satisfação por termos a gentileza de o visitar, era assim aquele homem cujo peso da doença não lhe dava descanso, mas que não se deixava abater.
Para nós foi uma surpresa. Sabíamos do seu estado e dos seus problemas. Tivemos alguma hesitação quando nos foi feito o convite para o visitar. Não sabíamos como iríamos reagir. Tudo, no final, se mostrou de uma naturalidade surpreendente. Há imagens que jamais se separam de nós. O CT1ZY está e estará sempre no meu pensamento. Aquele nosso colega fará parte, como tantos outros que partiram, do nosso dia-a-dia de radioamador.

O CT1GN teve um precurso diferente do CT1ZY, depois de deixar a Marinha, passou a desempenhar as funções de administrador dos Serviços de Electricidade da Câmara Municipal de Ílhavo. Enquanto a sua saúde permitiu desenvolveu grande actividade, na sua terra natal, quer como desportista quer como dinamizador e criador de organizações desportivas. Aos bombeiros dedicou grande parte do seu tempo reorganizando toda a sua estrutura. O novo quartel dotado-o de material, que para a época se mostrava o mais avançado, foi, também, obra sua.
Como radioamador foi exemplar. A sua presença, todas as manhãs, era infalível. Poderia dizer-se que era o despertador das oito horas, hora a que ligava a sua estação ao som dos sinos da igreja da Palhaça, que, pausadamente, iam batendo as oito badaladas.
A sua inconfundível modulação abria num cumprimento a todos os colegas, radioescutas e escuta oficial, de uma forma simpática e afável.
Deixamos de o ouvir. Viemos a saber que uma pneumonia o levara para casa do seu filho, o médico e escritor Mário Sacramento, onde viria a falecer, inesperadamente para todos nós, dias antes de completar 78 anos.
Estamos a recordá-lo junto à barra de Aveiro, onde ele gostava de estar, a recordar os seus tempos de jovem, muitas vezes pela mão do nosso «sempre pronto», CT1MX.
(*) Fonte: Boletim n.º 2 da REP - 1967.
                                                                                                                                (Continua)

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