sábado, 14 de maio de 2011

A minha colaboração no Boletim da ARAS - Amadora

O SONHO DE UMA VIAGEM NO TEMPO PASSADO...
Acabamos de ler o «Jornal da R.E.P.», n.º 0, de Dezembro de 2000, apesar de estarmos em Novembro, e ainda sem as boas-festas, como mandam as regras.
Na televisão, o locutor chama-nos a atenção para as ruas de Berlim, onde decorre uma manifestação de «cabeças rapadas», jovens responsáveis por alguns crimes de racismo e xenofobia, pertencentes a um partido radical de direita, confrontando-se com uma outra de gente adulta, que sofreu na carne os horrores do nazismo e que clama pela ilegalização dos resquícios de tal desgraça mundial, cujas feridas ainda não se encontram completamente curadas.
O cansaço apodera-se de nós, as energias despendidas pela longa leitura e a violência que as imagens suscitam, não resistimos e adormecemos.
Somos levados para o centro de uma imagem fantasmagórica, todo o período que decorreu de 1926 a 1974 surge numa sucessão, como se viajássemos no tempo. Um muro começa a elevar-se à nossa frente, do outro lado muitas pessoas fazem gestos como num adeus, de entre eles reconhecemos os quatro jovens da Calçada do Combro, das ruas de Marcos Portugal, da do Ferragial de Baixo, da de Bartolomeu Dias, da Travessa de S. Sebastião à Praça da Flores, da Rua da Esperança, todos em Lisboa. Aflitos, querem
também transmitir-nos uma mensagem que a arruaça à nossa volta não nos deixa ouvir, fazemos mais um esforço e conseguimos, num extremo, perceber:  gritam que acabou a liberdade e com ela a possibilidade de criar novas pesquisas e novas tecnologias, iríamos viver do que nos outros países se iria descobrir.
O muro subiu e toda aquela gente desapareceu. O barulho ensurdecedor que se gera à nossa volta leva-nos a reparar num grupo, dividido em duas alas: os dois levam na frente, em posição de comando, dois oficiais do Exército que apenas diferem porque um deles leva uma coroa em vez do boné. Achamos a imagem caricata e é uma voz, ao nosso lado, que nos apresenta as ditas personagens: o primeiro é o responsável pela criação da Legião Portuguesa, (organização de «bufos» e informadores da PIDE que orgulhosamente assinaram os célebres 27.003 e o 1901, a troco de meia dúzia de tostões) e, ainda, o comandante de uma força que tomou o nome de «Viriatos» na Guerra Civil de Espanha ao lado de Franco. O outro, um monárquico neomiguelista, de menor importância na República rectificada, autoritária e corporativa. Ambos têm de comum o «protofascismo», bebido nas hostes dos «camisas negras», do Partido Nacional Fascista, na conjugação do eixo Roma-Berlim. Dirigem-se para a Costa do Castelo.
Assim nasce uma organização, que ao bom estilo da época, passa a ser, por vontade da Ditadura Militar e já sobre os olhares da Polícia Especial de Lisboa (polícia política constituída por agentes da recém-extinta Polícia Preventiva de Segurança do Estado) a única e obrigatória.
Aliás, nem outra coisa era de esperar, uma vez que desde Junho, desse mesmo ano (1926), se iniciava a censura à Imprensa. Os candidatos à modalidade vão passar pela peneira da PIDE antes de entrarem na actividade, obrigando alguns, a ludibriá-la, para passarem pelas malhas apertadas.
É neste cenário que a confusão se estabelece nos corpos gerentes para nunca mais parar. A luta pelo «poder», tornou-se uma bandeira, e a submissão ao regime, uma religião.
Assim o vai determinar, como presidente da assembleia geral, o «herói» da guerra civil de Espanha e «pai» da Legião Portuguesa. As acções de uma rádio (são os valores que serviram de moeda de troca para a fusão e, assim, «constituir o monopólio e controlo de todas as demonstrações vitais de união radiófila»), desaparecem misteriosamente tal como tinham aparecido. O dinheiro da quotização dos sócios é roubado em valores muito elevados para a época.
As assembleias passam a ser autênticas batalhas campais, em que os grupos, entretanto formados, se insultam mutuamente, a que a presença, em cátedra especial, do engenheiro-director do organismo estatal não consegue evitar.
Depois de algum esforço, o Porto consegue instalar uma delegação, que se estabelece em plena Praça dos Fenianos, mas, infelizmente, é sol de pouca dura. Lisboa, verificando que aquela delegação ultrapassa a sede, num golpe de teatro, acaba com ela.
Apesar de estarmos enxameados de agentes da PIDE, as coisas começam a complicar-se pela entrada de uma nova vaga de sócios, mais exigentes e menos conciliadores ou «obedientes», a que se juntam alguns graves problemas resultantes dos acontecimentos nacionais, que vão dificultando o regime e condicionam o autoritarismo imposto para o exercício da actividade.
Era inevitável: um desses sócios insurge-se e «obriga» a direcção, numa atitude prepotente e discricionária, a suspendê-lo, oficiando imediatamente a estrutura superior para que, com base na legislação então existente (no papel), o suspendesse também da actividade. Mas outras preocupações evitam que aquela estrutura obedeça, apesar da insistência da direcção. Mas a formação que está subjacente aos crentes e seguidores da ditadura não perdoa. Convoca uma Assembleia e aí tira da «cartola» uma proposta de expulsão do dito. Alguns sócios pedem, legitimamente, explicações para o conteúdo da proposta, uma vez que queriam votar em consciência. Ingenuidade de quem não estava habituado aos métodos. Resultado: foram insultados e, adivinhando o que iria acontecer se continuassem presentes, abandonam a assembleia, e a proposta é aprovada. A «vítima», ainda hoje exibe a carta que lhe foi enviada dando conta da expulsão, como o maior troféu da sua longa vida de radioamador.
A liberdade chega com o 25 de Abril (Decreto-Lei n.º 594/74). No Porto, através do seu mais prestigiado representante da modalidade a nível nacional e internacional forma-se, com outros colegas daquela cidade e de cidades envolventes, a primeira associação, começando um ataque, ainda hoje ímpar, em todas as direcções contra aquela que havia sido o travão e o desprestígio da actividade. Nunca será demais realçar que aquele notável portuense ficará na história como único responsável, por nós aplaudido, pela
coragem que soube transmitir aos colegas, possibilitando o nascimento de outras associações nas diversas regiões do País.
Uma das razões que terá levado aquele colega a ocupar um lugar na cena internacional foi, pensamos nós, o conhecimento de que a associação nos seus quase quarenta anos jamais compareceu nas reuniões do organismo internacional, e, pior do que isso, ter delegado na congénere espanhola a sua representação, no decurso da sua existência.
A constituição de um número significativo de associações por todo o País impõe uma atitude que, no nosso entender, era merecedora de nota: começa a pensar-se na formação de uma Federação, como única via para a união e o diálogo com as entidades que superintendiam a modalidade, a exemplo do que já acontecia com outras. Mas, com os princípios que lhe eram naturais, e na impossibilidade de boicotar a formação daquela estrutura de cúpula, abandona-a quando se prepara a escritura da sua legalização.
Alguns anos passam e mais uma vez, algumas associações, que entenderam que o processo anterior não tinha sido bem conduzido e convencidas que eram capazes de «converter» a associação que, a cada passo, levanta a bandeira de ser a única como delegação da estrutura internacional, esquecendo-se sempre que isso lhe foi imposto e nunca uma sua iniciativa, porque a eternamente «única», era, em 1933, com Salazar no governo uma exigência do regime e só ele, ou alguém com reconhecida fidelidade, quiçá como seu mais directo e «querido» colaborador, poderia ultrapassar as fronteiras deste País, para fazer parte daquela organização -, mais uma vez deixa, agora com outro título, a estrutura federativa, usando a mesma táctica e os mesmo argumentos.
O que não conseguimos vislumbrar é que quem representa sensivelmente 15% (?) dos praticantes (cumprindo-se os Estatutos e não contando os que já deixaram de pagar quotas e se calhar alguns dos já falecidos - enfim... (deformações), se arrogue ao «direito» de falar em nome de todos como, se para tal, esses três mil e tantos lhe tivesse passado procuração.
E para terminar, se alguma dúvida ainda restasse de que o «berço o dá a tumba o leva», bastará ler os últimos «regulamentos» conhecidos, para se verificar, que ali apenas mudaram as moscas porque, na raiz, continua num sebastianismo - bolorento - evidente, a utilizar-se dos mesmos termos e da mesma prepotência, só que, infelizmente, o que havia para destruir já ela destruiu e, assim, nem a sua chantagem do «cartão» faz aumentar os subscritores, nem os órgãos que administram a actividade e governam o País perdem tempo a colher os seus insultos.
Voltamos a ver os nossos colegas do primeiro quarteirão deste século, agora sorrindo e pedindo-nos que voltemos a ressuscitar o espírito da organização, que morre na sequência do 28 de Maio de 1926, que utilizemos as mesmas armas, e tal como naquela célebre assembleia que lhe pôs fim, apontemos o dedo aos detractores porque isso, ao contrário do que aqueles querem fazer crer para se protegerem, é restaurar o entusiasmo e a fraternidade, com uma dupla vantagem estamos em democracia e a mordaça dos anos subsequentes à década de 30 só existem no saudosismo barato de uns quantos que espreitam a oportunidade de uma noite de nevoeiro. Há quem não acredite: «mas que los hay... hay».
Falam-nos de muitos mais episódios, assaz mais contundentes, a que prometeremos voltar se as circunstâncias o impuserem.
Acordamos, voltamos a ouvir o locutor da televisão a dar as últimas informações da manifestação nazi em Berlim. Quase não queremos acreditar que estávamos a sonhar, e apesar de nunca termos utilizado o termo em toda a nossa vida, mesmo que para identificar o regime de Salazar e muito menos o de Marcelo Caetano, por ter sido neste último que se gerou o 25 de Abril, não resistimos à tentação e gritamos a plenos pulmões: por favor «fascismo nunca mais»....
Boletim da ARAS - DEZ. 2000

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