terça-feira, 10 de maio de 2011

O Radioamadorismo como fonte de conhecimento

O conhecimento e a sua aplicação prática 
cria boas amizades e popularidade

Quando entrei para o radioamadorismo a situação económica das famílias não era muito favorável e, com honrosas exepções, os ordenados eram, na generalidade baixos e exigiam muito esforço e dedicação.
No diário, onde trabalhei, os ordenados variavam entre os 400$00 e os 3000$00. Isto para dizer que o dinheiro não abundava nos nossos bolsos e isso obrigava a um esforço grande para adquirir os conhecimentos necessários para contruir os indispensáveis aparelhos, na maioria dos casos, improvisando e investigando a forma mais económica de atingir o fim em vista.
Para um maior conhecimento da realidade bastará dizer que a primeira estação comercial que tive - DX60, HR10 e HG10 - (1964), veio do Estados Unidos, em kit, e custou 12.500$00 ( o equivalente a cerca de cinco meses do meu ordenado da altura). Hoje, quando ouço dizer que os transceptores são caros, fico a pensar que havia razão para sermos, naquela altura, pouco mais de 200 e, agora (20011) termos ultrapassado a casa dos 5000. Aliás, a imagem da estação do CT1IQ e a sua descrição, são mais que elucidativas. Mas, vem isto a propósito de uma passagem que marcou profundamente a amizade e o respeito que, em Ermesinde, vila onde tinha residência, as pessoas nutriam por mim e o reflexo disso era evidente pelo carinho e atenção que dispensavam ao meu agregado familiar.
Naquele tempo, como hoje, o futebol era o tema de todas as conversas de café e de rua. Uns defendiam o clube da terra, outros o da região, que o mesmo é dizer que uns defendiam o Ermesinde e outros o F.C. do Porto (perdoem-me alguma falta neste sector uma vez que nunca fui muito ligado a esta modalidade). Muito embora a televisão já fosse uma realidade, ainda a preto e branco, o futebol não era, como hoje, o tema central das suas emissões. Assim, não havia transmissões em directo dos jogos o que levava as pessoas a invejarem o que se passava no país vizinho, onde, todos os domingos, se transmitia o jogo mais importante da jornada.
Isto levou a que um grupo de amigos, em conversa de café, me lançasse o repto: «Sr. Ferreira Alves (era assim que me tratavam) o senhor que fala com todo o mundo e tem aquela enorme antena no telhado, não será capaz de captar a emissão da televisão espanhola para que possamos ver o futebol?
Ali mesmo, ficou o meu compromisso solene de ir estudar o assunto e dos resultados obtidos daria conhecimento em breve.
Chegado a casa, liguei para um jovem colega espanhol,  EA1KO, Ramon Carrasco, que havia estado em minha casa por diversas vezes, pedindo-lhe que indagasse e me elucidasse sobre os canais da TVE e que mandasse a localização dos repetidores, especialmente os que estavam mais próximos da fronteira.
A resposta não se fez esperar e, dois dias depois, de posse dos elementos indispensáveis, acabei por concluir que o repetidor mais acessível seria o do monte de Santa Tecla, junto à foz do Rio Minho.
A experiência que tinha de levar a cabo só podia ser feita num dia de folga uma vez que o horário das emissões de televisão portuguesa eram coincidentes com a minha saída de casa para o jornal (20 horas).
No dia possível, durante a tarde, fiz um cabo para ligar a PL259, com que terminava o cabo da antena de emissão para a ligar à entrada de antena do televisor, um aparelho de madeira envernizada de razoáveis dimensões, onde um cinescópio sobressaía em oval, com alguma desproporção em relação ao conjunto.
Mal a emissão começou, liguei o cabo e sintonizei o canal IV, de Espanha, fazendo rodar a antena para que o elemento irradiante ficasse na direcção previamente calculada. A experiência juntou a família na sala onde estava o televisor e todos, com entusiasmo contagiante, batendo palmas, viram as imagens da televisão de Espanha, ainda que com algumas pequenas interrupções, o que era natural, dada a discrepância que existia entre a frequência para que estava cortada a antena e a do canal televisivo. Para os mais entendidos aí vão os dados de que dispunha para o cálculo da antena que havia de ser construída, com a certeza, de que face aos resultados obtidos, seria possível ver, com alguma qualidade, a emissão da TVE: canal IV: largura de banda, 61-68; portadora de vídeo, 62,25; portadora de som, 67,75; frequência do oscilador, 101,15, e a banda I. Estes dados levam-nos a uma antena, cujo elemento alimentado com a fita anphenol de 300 ohmios, teria qualquer coisa como 4,40 metros. Projectamos uma antena de quatro elementos: dois directores, um irradiante e um reflector. Compramos os tubos de alumínio, num estabelecimento da especialidade, no centro da cidade do Porto, e demos início dos trabalhos.
O anexo, nas traseiras da vivenda, transformou-se rapidamente numa oficina de construção de antenas, com os aparelhos indispensáveis para testar a eficiência no ajuste dos elementos.
Escusado será dizer que os meus filhos, ainda de tenra idade, se encarregaram de dar largas ao seu entusiasmo, fazendo saber, a quem nos conhecia, a «invenção» do pai, com o orgulho com que sempre, e ainda hoje, contagiam os seus mais próximos colaboradores e amigos.
O entusiasmo foi de tal modo mobilizador que tive de pedir para me deixarem em paz, condição indispensável para levar a cabo a construção da antena, no que fui ajudado, na parte mecânica, pelo meu indispensável colaborador - «Zé Marceneiro» - e um  jovem estudante, filho de um radioamador que não cheguei a conhecer por ter falecido, antes de ter chegado àquela vila. Entretanto, pedi ao amigo Moreira, proprietário de uma fábrica de acessórios para a indústria textil, que me construisse, segundo o desenho que lhe forneci, uma «máquina» para dobrar o tubo de alumínio para fazer o «trombone» (elemento onde ía ligar a fita que viria ao televisor), ao que ele prontamente deu resposta cabal. O pedido foi feito num dia à noite e no dia seguinte, à hora de almoço, a «máquina» estava a ser entregue.
Construída a antena e um pequeno amplificador de sinal, colocada num extremo do telhado, bem alta, estendido a fita amphenol até ao televisor, o «milagre» deu-se. Estavamos a ver a TVE com um sinal que fazia inveja à televisão portuguesa. No domingo que se lhe seguiu a sala encheu-se de amigos e conhecidos que assistiram, com entusiamo, ao jogo de futebol da I liga espanhola.
A segunda antena foi montada em casa do homem da ideia, o mais entusiasta e mais persistente, antes, durante e depois da realização do evento.
A partir daqui e como o tempo disponível não era muito aconselhei as pessoas interessadas a deslocarem-se a Vigo onde poderiam adquirir, por preço razoável, as antenas para o canal IV, dispensando-me dos trabalhos de construção. Algum tempo depois, fui informado, que um estabelecimento na cidade do Porto já tinha à venda antenas apropriadas para aquele canal da TVE.
Assim terminou mais uma aventura das muitas que os radioamadores deste País realizaram nas cidades, vilas ou aldeias onde residiam e tinham as suas estações instaladas.

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