quinta-feira, 12 de maio de 2011

A minha primeira experiência

Os primeiros passos no radioamadorismo
Feito o exame para a classe D, logo iniciei a actividade que passou pela utilização da estação de CT1IQ, na qualidade de 2.º operador. Havia que ganhar experiência e hábito das normas, então bem rígidas, de primeiro escutar, depois tomar nota dos colegas que estavam no QSO e, a seguir, aguardar o fim da lista para pedir permissão para «entrar». O colega que se seguia, na ordem de participação, assinalava a nossa presença e fazia os cumprimentos da praxe, bem como todos que se lhe seguiam. O último da lista, após ter dissertado sobre o assunto em apreço, passar-me-ía a palavra. Assim aconteceu: lembro-me que lá consegui atacar o microfone, não sem que as pernas me tremessem e as palavras de circunstância me faltassem, muito embora a facilidade a que a minha profissão obrigava, de bem dizer e bem escrever. O que verifiquei é que todos me acolheram com palavras de ânimo e de incentivo, ficando logo ali estabelecido, que começaria a fazer parte daquela «roda» e poderia solicitar a ajuda de quaisquer deles. Os dias foram passando e como tinha de cumprir as minhas obrigações profissionais - o tempo não se compadecia com a minha actividade de radioamador - pelo que tive de fazer um compasso de espera. Assim, todos os momentos de lazer eram dedicados ao estudo da electrónica, da telegrafia e das normas de bem conduzir um comunicado. Aqui falou mais alto a experiência de alguns colegas mais velhos que, pacientemente, me elucidavam de como programar o meu estudo e prontificaram-se a ministrar-me um curso de telegrafia. Convém esclarecer que o exame que havia feito, para a classe D, me permitia operar durante cinco anos, findos os quais, se não obtivesse aprovação para a classe C, deixaria de ser radioamador e se, entretanto, tivesse montado estação, teria de colocá-la na prateleira.
O tempo corre célere e quando «acordamos» sentimos que ou nos empenhamos seriamente ou o nosso «hobby» vai passar à história. Entretanto, a pressão que sobre mim era feita pelos radioamadores das proximidades para que começasse a adquirir o material indispensável para montar a estação era de tal modo que não me deixavam alternativa. Fui a uma das empresas que representavam a «Geloso» e lá comprei um bloco de radiofrequência para transformar o meu «musiqueiro» - um «Grundig» - que me tinha sido oferecido - num receptor de comunicações; um VFO da mesma marca, para dar início ao emissor, (uma 6L6 a atacar uma 807); dois autotransformadores (110/220) que ligados em série, a que se seguia um dobrador de tensão, dariam a alta-tensão necessária para o andar final do emissor e para as 807 que serviam de modulador. Quando coloquei as caixas de alumínio, que entretanto havia mandado fazer num serralheiro lá do burgo, em cima da secretária, verifiquei que me não sobrava espaço para montar a minha bancada de trabalho. Consultada a «cara-metade», que pacientemente ía vendo as economias a desaparecer, lá estabelecemos que, uma das assoalhadas, da vivenda que servia de morada, iria ser destinada ao «shack» - assim se chamava a dependência onde exercíamos a nossa actividade e, paralelamente, a «bancada» onde montavamos os nossos aparelhos e acessórios - constituindo, a partir desse dia, o meu reduto exclusivo. Quando fiz o anúncio de que tinha adquirido o material necessário para montar a estação e que iria dar início aos «trabalhos» no dia seguinte, estava longe de adivinhar o que tal anúncio iria originar. Cerca das 10 horas (hora para mim idêntica às 2 para qualquer mortal, uma vez que o meu horário no jornal era das 21 às 2 - o jornal saía para a distribuição às 4, não sem que antes tivesse de ser impresso -, sou acordado pela minha mulher, anunciando-me que alguns colegas já se encontravam no «shack» e requeriam a minha presença. Depois da «lavagem de estrada» e ainda meio ensonado, entro naquela dependência, onde já se encontravam três colegas que procediam aos preparativos para a montagem da estação. Eram eles: CT1GE, dr. Oliveira Alves (médico militar); CT1OZ, técnico de electrónica numa das maiores empresas do ramo na cidade do Porto; CT1EE, dr. Fernando Pinheiro, um solteirão que vivia lá para os lados da Constituição, com a mãe e uma tia, e a quem chamavam o médico dos pobres, aliás, por mim confirmado; CT1UK, o «arranca dentes», como carinhosamente era denominado. Convém esclarecer que o CT1IQ, não podia estar presente, uma vez que o horário da secretaria do jornal era das 10 as 18 horas. A azáfama foi tremenda, os berbequins, as chaves de fenda e o material adquirido eram manejados como se de uma operação cirúrgica se tratasse. A hora de almoço passou sem que quaisquer de nós se apercebesse, mau grado a constante interpelação da XYL que desesperava, uma vez que o almoço já não podia esperar muito mais. Cerca das 16 horas, o trabalho estava terminado e tudo ligado (a antena já tinha sido montada uns meses antes) deu-se início aos testes. Tudo estava conforme determinam os cânones. O primeiro QSO não se fez esperar. O CT1GE, no comando das operações, solicitava controle de emissão e modulação aos colegas que iam aparecendo nos diversos pontos do País. Finda a função e na presença de todos fiz o meu primeiro contacto. Foi meu «padrinho» o CT1PK, dr. Fragoso de Almeida, que desde o Cartaxo, me convidou para, numa próxima oportunidade, oficializar o acto, nas «termas» onde a «água das pedras do lagar», da sua propriedade, eram um autêntico nectar dos deuses.
Terminada a «função» festejamos, como não podia deixar de ser, após o que, todos partiram com a promessa de nesse dia à noite apareceria nos 10 metros, na roda habitual, a que o CT1EE, chamava de «QSO de esquina», imprópria para mim, segundo a sua opinião, e incentivando a ir para o DX, apelando à minha idade.
A uns e outros tentei dar satisfação, sendo que o Dx era mais provável uma vez que quando chegava a casa, depois das 3 horas, o País dormia. Nem todos... valha a verdade, porque havia um número de radioamadores que estava sempre atento às «figurinhas» e que, conhecedores dos horários em que estas apareciam, não dispensavam juntar mais um indicativo ou mais um país ao WPX ou ao DXCC. Interesses que hoje, apesar do número de radioamadores ter atingido os 5000, passaram a ser considerados ultrapassados, para a esmagadora maioria.

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